VIRTUDES – PRUDÊNCIA SEGUNDO BALTASAR GRACIÁN (Segunda parte)
CUIDADO COM A ANTIPATIA
Muitas vezes odiamos alguém gratuitamente, antes mesmo de conhecer suas supostas qualidades. Às vezes essa aversão se volta contra os homens eminentes. A sabedoria deve corrigi-la, pois não há pior descrédito que odiar as melhores pessoas. Assim como é admirável ter simpatia pelos heróis, é uma vergonha tratá-los com antipatia.
FUGIR DOS ASSUNTOS DIFÍCEIS E PERIGOSOS
Esta é uma das primeiras regras da prudência. As grandes inteligências sempre deixam muito caminho livre antes dos momentos críticos: há muito que andar de um extremo a outro e elas sempre estão centradas em sua sabedoria. Só chegam a uma decisão depois de muito pensar, porque é mais fácil evitar o perigo do que se sair bem dele. Cada risco traz outro maior, conduzindo-nos à beira do precipício. Há homens imprudentes que, por temperamento ou nacionalidade, se encontram facilmente em situações difíceis. Mas o que caminha à luz da razão vai sempre muito atento, considera melhor não se arriscar do que vencer o perigo. Quando encontra um tolo imprudente, evita tornar-se o segundo.
SER SENSATO E OBSERVADOR
O ser humano manda nas coisas e não o contrário. Sonda as maiores profundezas e sabe dissecar com perfeição a anatomia do talento. Entende e valoriza a essência de qualquer um só em vê-lo. É, por seus raros dotes de observação, um grande decifrador do que está mais oculto. Observa com rigor, pensa sutilmente, tira conclusões sensatas. Tudo descobre, tudo repara, tudo alcança e compreende.
NUNCA PERDER A COMPOSTURA
A principal finalidade da prudência é nunca perder a compostura. Assim se comporta o homem verdadeiro, de coração perfeito, porque é difícil abalar um espírito elevado. As paixões são os humores do espírito: qualquer excesso prejudica a prudência; e se o mal sai da boca, a reputação ficará em perigo. Cada pessoa deve ser tão dona de si mesma que nem na prosperidade nem na adversidade possa ser criticada por haver perdido a compostura. Assim será admirada como superior.
SER DILIGENTE E INTELIGENTE
A diligência executa rapidamente o que a inteligência pensou com calma. A pressa é uma paixão de tolos: como não percebem o perigo, agem sem atenção. Os sábios, ao contrário, costumam pecar por serem lentos, pois a reflexão obriga a parar. Às vezes, o acerto de uma observação se perde pela negligência em agir. A presteza é a mãe do sucesso. Muito consegue quem não deixa nada para amanhã. Correr devagar é um lema precioso.
SABER ESPERAR
Um grande coração tem mais capacidade de suportar o sofrimento. Nunca se deixa levar pela pressa nem pelas paixões. Aquele que é senhor de si será depois também dos outros. Deve-se caminhar pelos espaços abertos do tempo até o centro da oportunidade. A espera prudente tempera os acertos e amadurece os pensamentos secretos. A muleta do tempo é mais útil que a afiada arma de Hércules. Deus mesmo não castiga com o bastão, mas com as estações, com o tempo. É um grande ditado: "O tempo e eu contra outros dois." A Sorte recompensa quem sabe esperar.
REFLETIR É MAIS SEGURO
O benfeito é realizado com a rapidez adequada. O que se faz depressa, depressa se desfaz. Mas o que deve durar uma eternidade, deve demorar outra para ser feito. Só se deve valorizar a perfeição porque só o acerto permanece. A profunda compreensão alcança verdades imortais. O que muito vale muito custa. O metal mais precioso é o mais pesado e o que demora mais a se fundir.
SABER RETIRAR-SE
Na casa da sorte, quem entra pela porta do prazer sai pela da tristeza, e vice-versa. Atenção ao desfecho: deve-se estar mais atento a um final feliz do que a uma entrada triunfal. É frequente que as pessoas de sorte tenham inícios favoráveis e fins trágicos. O que importa não é receber aplausos na entrada - o que é muito comum -, mas continuar a ser aplaudido na saída, fazer falta ao partir, o que é mais raro. Poucas vezes a sorte acompanha os que saem: é educada com os que chegam e descortês com os que se vão.
SABER EVITAR OS DESGOSTOS.
É útil e sensato prevenir-se dos aborrecimentos. A prudência evita muitos. Não se deve dar más notícias, nem muito menos abrir a porta para recebê-las, a não ser que o remédio venha junto. Uns só têm ouvidos para a doçura dos elogios e outros só prestam atenção aos comentários amargos. Há pessoas que não sabem viver sem algum aborrecimento cotidiano, como Mitríades sem veneno. Também não faz sentido sofrer o resto da vida para dar um prazer a outra pessoa, por mais chegada que seja. Nunca se deve pecar contra a própria felicidade para satisfazer quem aconselha, mas se mantém à distância. Em todo acontecimento, sempre que tiver de escolher entre agradar ao outro e causar-se um desgosto, lembre-se: mais vale que o outro se aborreça agora do que você sofra depois e sem remédio.
NUNCA SE ENTREGAR AO MAU HUMOR
O grande homem nunca se sujeita às variações de ânimo. Uma boa lição de prudência é refletir sobre si mesmo e conhecer sua verdadeira disposição para prevenir-se. Às vezes é preciso considerar o outro extremo para encontrar o equilíbrio entre a natureza e a arte. Conhecer-se é o primeiro passo para corrigir-se. Existem monstros de impertinência em nosso humor, e os afetos variam segundo eles: eternamente arrastados por esse desequilíbrio vulgar, comportam-se de forma contraditória. Esses excessos não só corrompem a vontade, mas prejudicam o julgamento e a compreensão.